segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Geometrias




Os objetos
são o que são
mas não sabem

São bem concretos,
no entanto
o vento passeia ameno
e anima os ângulos frágeis
dos papéis em minha mesa.
A sombra discreta vela
no meu cinzeiro de vidro
todas as constelações.

Vêm de tamanhas distâncias
imunes a nossas fomes
sede, paixões ou temores,
indiferentes aos anos.

Os objetos passam pelo dia
ao tempo de nosso olhar
mas não se explicam
: os objeots 
são como os poemas.
.

sábado, fevereiro 26, 2011

Enigma II

Tela Camille Pissarro.

Alguma coisa se esvai
pela fímbria de teus dedos
que invade minha vida.
Alguma coisa de mim
teus olhos denunciam
que me inquieta.

E quanto mais
eles me decifrarem
mais saberás de mim
e mais perdida em ti
me encontrarei.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Águas



Caminhos dágua correm nos sentidos
quase em silêncio
de labirinto.

Asas de sulcar a terra
transluzindo
caminhos dágua são nossos
de navegar.

Guardam histórias
de ventania
conchas
escória e
restos de ilhas.

Vestidas de morte e grito
águas podem mais que a vida
: inventam túmulos
engolem corpos
engrossam o abismo
e cavam guerras.

Caminhos dágua
margeiam nossas vidas
sem registro.

terça-feira, fevereiro 22, 2011

Vigília

O que resta de mim no fim do dia
são desenhos a têmpera
a construção desfeita
e a que renasce no mundo escuro.

O tépido e o lembrado
em traços diluídos de uma tinta
extraída do mar.

Linha desfeita em águas de vigília
na superfície do quarto
campo e guerra.

sábado, fevereiro 19, 2011

Vivendo Marc Chagall

Chagall. Le coq blanc et les deux aimants.
Nada mais natural
que esse casal flutuante.
As asas do amor nunca são vistas.

Enquanto os peixes cruzam
as águas de seus rios
e o violinista incorpora a ave colorida,
vem uma folha de papel do alto da ponte.
Logo o amado atende
e eles conhecem o toque
para o qual nasceram.

Aves e músicos
reses e cortejos
atendem ao violino do homem solitário.
O mundo se explica enfim
do modo inexplicável dos amantes
e a pomba libertada
colore o céu
e as cidades em seu voo.
 



quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Dolorosa

 Imagem Emil Schildt.


Acreditou no amor
até desacreditar.
A partir desse momento
para a própria garantia
escolheu sempre a partida
:
por melhor que fosse a festa
ela estaria a caminho
de alguma porta
ou porto
doendo
na despedida.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Em família

Os pais os olhavam
tristes
como quem sofre
dores muito antigas
sonhos pisados
e um atavismo de culpas
sem remédio.

Na hora mais quente do dia
a casa em desalinho
longe do pai
a mãe lavando a louça
deixaram os brinquedos no porão
tentando salvar a vida
mais para lá do portão.

Levavam
olhos de choro
as dores já tão antigas
e dentro da pele
as culpas.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Incertezas



O vento vem desfolhar
as simetrias do mundo
e o tempo que não dorme
tece fios
num labirinto de esperas.

Ela aprendeu a enganar
o tempo
o vento e as horas
: criou teares e agora
veste auroras
e inventa flores
das horas de incerteza.

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Menino teu


Esse garoto que às vezes te visita
vive uma práxis
de outros dias
e se imiscui em teu cotidiano de aço e vidro
com sua bola de meia
num pomar de terra e verde
e seu balanço de corda.
Esse menino magro te perturba
e te renova
como se fosse o rosto da memória
e ainda te faz sorrir entre os sisudos.
É curioso, o menino, e traz questões
que não dizem respeito
ao homem sério que agora te tornaste.
Enquanto imóvel ponderas papéis de tuas pastas
ele se agita e brinca e mexe em tuas gavetas
e sem te consultar
sopra em tuas letras a brisa de outras tardes
e sensações de afago e de varanda.
Esse garoto que às vezes te visita
à noite em tua cama
canta baixinho cirandas e prelúdios
e te chama
porque em verdade
não queres que ele se perca de tua vida.

sábado, fevereiro 05, 2011

Reenlace

Foto Aykan Zener.

Noite dessas
em que a lua multiplica sombras
e com sua luz mais viva
faz voar a casa
repetida
entre penumbras e contornos luminosos
recomeçou a história
de nossa vida.

A lâmina daquela dor
antes tão fina
reduplicada e agora descoberta
desfez-se em musgo no chão do jardim.
As mãos antes vazias
se detiveram tépidas de enlaces
e as bocas navegaram seus abismos.
O mundo ermo de agora
trouxe de volta o pavor e a delícia.

Sobre lembranças sem corpo
as novas silhuetas confirmadas.


quinta-feira, fevereiro 03, 2011

Sob o céu

O que nos cerca esconde suas surpresas
além do que se espera
além do que se sabe.
Não conhecemos tudo
nem de todo uns aos outros.
Um teto de silêncio nos limita
da música inaudível das estrelas
e nos contém pelas luzes mais distantes.
Debaixo desse céu
no entanto
as nossas sombras caminham de mãos dadas.