Olha amor
tudo espalhado
e os momentos discordantes
papéis todos misturados
palavras fora de hora
olhares insatisfeitos
e limos angustiados.
Olha amor
nossos sentidos
parecem assim truncados
as mãos inúteis
em gestos
de interrogar o vazio.
Olha que estrago
zorra
zona
desperdício.
Olha que dor.
Olha que adeus sangrento
arrastado
arrancado aos pedaços
mutilado
torturado
rebuscando na desconexão
alguma força
feição própria ou configuração
que o resguardasse.
Olha amor
as flores murchas,
pegadas enlameadas
naquele velho chão de deslizar.
Olha a paisagem suja da vidraça
e o som do riacho antigo
se esvaindo
pelo lixo
pelas pedras
pela terra
agoniado de perder sua música.
As plantas secando amor
goteiras entrando em casa
a geladeira parada
a energia cortada
o vento penetra as frestas
de nossas janelas cegas.
Nossa louça desbeiçando
e a poeira se juntando
crescendo e ameaçando
de uma ameaça inocente
vagamente percebida
por olhos que já não veem
senão as próprias imagens
refogadas de tristeza.
Olha amor
tudo rachando
tudo a pique de ruir.
Olha que obra incompleta
abandonada
esquecida.
Olha o sonho carcomido
que esquecemos de sonhar.
Olha o filho que enjeitamos
o amor que não amamos
e os projetos postergados.
Olha as ilusões pisadas
quase tudo quase nada
e essas tardes da colina
rolando de morro abaixo.
Olha o fogo distraído
se esquecendo de queimar
e os espinheiros que crescem
abafam
cobrem
florescem
suas flores desiguais
e esse cheiro de velório
engolindo as damas-da-noite
e esse frio se estendendo pela praia
os tapumes no caminho
uma farpa no pé.
A alegria trancada a sete chaves
numa gaveta qualquer
e nós perdemos as chaves
uma a uma.