quarta-feira, março 30, 2011

Maria

Maria está diferente
pensa em flores
e elas chegam
ouve vozes
ri atoa.

O que acontece com ela
é uma voz no nextel
e Maria perde o freio.

O dia vem
de repente
antes do sol acordar
porque o poder de Maria
ilumina o mundo em volta.


segunda-feira, março 28, 2011

Há bruma entre as pessoas

 Rua de Havana.

Há bruma entre os navios
as amuradas do cais
e o salto para o abismo.

Nas ruas de Havana
prédios antigos
onde a esperança ficou velha
o futuro se perdeu
num barco bêbado.

A descrença redesenha
um rumo triste
e comum às pessoas.

sexta-feira, março 25, 2011

Poema amigo – Lalo Arias

Eu e meu último cigarro


como poderia esquecer
Hart
Crane
eu estava lá
naquele navio
encostado na amurada
fumando meu último cigarro
esquecido do mar
eu que deveria prever
seu salto definitivo
eu e meu último cigarro
tropeçando nas ruas de Havana
com uma garrafa bêbada
numa das mãos
como um barco bêbado
abraçando
as praias
foi quando os garotos entraram
pela cidade
barbudos
festejando
um futuro que nunca viria
quem sabe na Sibéria
eu e meu último cigarro
resgatando os poetas
aprisionados
e quase nos perdemos
eu e meu último cigarro
aquilo era tão
claro
tão
branco
deve ser assim mesmo
o esquecimento
algo claro
na penumbra
espiralando
esse tempo que nunca chega
uma espécie de paz
perdida
no ar
eu estava lá
todos sabem do meu destino
fui eu que fechei o gás
para o Torquato
eu e meu último cigarro
amparando sua queda
Ana
eu que sempre me repito
eu que sequer sei rezar
mas
não há mesmo muito mais do que falar
então
estamos quietos
aqui
eu
meu último cigarro
e o vento frio
dobrando a esquina
eu estava lá
Dadii
eu e sua foto
no bolso
e o amor
na ponta dos dedos
tocando seu rosto
em Ouro Preto
Silvia
até Mariana
naquele trem
o seu riso inesquecível
voando
com o apito
nós ainda estávamos vivos
Paulo
em 1911
acho que em Pequim
sim
Sérgio
têm vezes que eu pressinto
a perda
irremediável
eu
e
meu
último
cigarro
queridos amigos

quarta-feira, março 23, 2011

Canção para um crepúsculo

                 
 “Confesso que nunca soube lidar com a situação. O abatimento dele me provocava uma tristeza tão grande que eu não desejava estar ali
                             José de Assis Freitas


Você está deitado e
imóvel
e a noite vem chegando.

Não foi assim
durante os anos em que descobri
a única realidade conhecida.
Ao contrário
você vivia todo iluminado
as mãos inquietas
sempre à procura do que
eu não sabia.
Era risível
em certos momentos
impaciente em outros
e houve um tempo
– aquele tempo –
em que ninguém
era melhor companhia.






segunda-feira, março 21, 2011

Gato



O olhar de um gato distraído
confessa mundos
e jardins insuspeitados.


O olhar de um gato distraído
fala de fomes
e amores inconfessados.

sexta-feira, março 18, 2011

Poema amigo - Marcantonio Costa

Quinze paisagens com sol, quinze com lua (11)

Eu poderia mostrar
algumas paisagens inéditas,
não as que eu tenha visto de fato,
mas tantas que são aparatos
inventados
por fora da moldura pérfida do dia.
E quem não julgaria
essas íntimas pradarias
como tridimensionais?
Porque os olhos têm função de adesivo
para unir com assombro
sobras e resíduos de dias banais
em camadas, em relevos
de cantos agressivos
e fazer de flagrantes mais assíduos
volumes alucinatórios mais que reais.

Estes são meus talentos de andarilho:
recortar, colar, raspar, desenhar por cima,
pois as mais densas paisagens
são palimpsestos de sonhos sem brilho
de inutilidades e unidades sem prática.
Eis, por exemplo, um rio flutuando
sobre o solo vivo, serpente transparente
de escamas flácidas
das lágrimas que ninguém chorou por mim.
E sobre ele a ponte feita das lacunas emendadas
de todo tempo ido para o fim.
Se chover, serão gotas cristalizadas
de uma sudorese vagamente luminosa
que desfoca aquela montanha, monturo
de rosas secas colhidas nos cemitérios.
Vê que há algum mistério nessas árvores
feitas de mechas engessadas
no exato momento em que o vento álacre
as curvava.
Por fim, o solo arenoso não é nada mais
do que a moagem das cascas das feridas
não fatais.

Não escapo, portanto, no almoxarifado das ruas
desertas,
ao entulho das memórias da não-história
do que foi, mas não vai,
para compor assemblagem aberta,
uma bricolagem espúria,
costura de veduta-frankenstein.




Do blog O Azul Temporário.

quarta-feira, março 16, 2011

Quando perdemos as rosas



Quando o jardim perdeu
as rosas que eu amava
me perguntei
se a grama bastaria.

Depois pensei
nem só de roseirais
se vive a vida
e afinal
para que se fizeram as margaridas?
Pensei canteiros de cores
e perfumes
um arco-íris de lírios e açucenas
violetas amores cravos e jasmins
tulipas miosótis e beijinhos.
Esperei que brotassem e florissem
na primavera
mas o verão chegou e nada
além de grama coloria a terra.

Entendi afinal
o que o jardim me dizia
: quando se perdem as rosas
o melhor é plantar
melancolia.

segunda-feira, março 14, 2011

E se amanhã Orfeu

 Imagem da Internet sem menção de autor.

E se amanhã
os homens redescobrirem
a esperança sem fantasia?
Falo de uma esperança
verdadeira e forte
que possa nos mostrar
o possível
independente dos sonhos?

E se em algum momento
a lira de Orfeu limpar de nós o medo
como aos animais agrestes
de seu tempo
e formos capazes de parar tudo
para ouvi-lo tocar
como fizeram os pássaros
naqueles dias?

sábado, março 12, 2011

Exílios


Todas as árvores
lenhos cortados
lenha e fogueiras
ainda verdes as folhas
e o mundo não clareia.

Segue no exílio do tempo
a ventania
que entanto chegará a seu final
som de oboés
canto sem luzes
um filme de projeção interrompida.


quarta-feira, março 09, 2011

Último gole do vinho de segunda














Foto Helena Monteiro. Lago Dol, Bretanha.


Escolhe sem pensar
e erra o endereço.

A solidão
é uma pele
colada à outra.

A aranha
degusta pensamentos
enquanto devora
o inseto.

As ruas
agora são
galáxias obscuras.

O tempo triturado
é pássaro perdido.

segunda-feira, março 07, 2011

Conversão


Debaixo de tuas asas me suprimo
zerada e insensata.
Não tramo nem comungo
sou teu fungo
sem sombra nem medula.
Já não preciso da língua
se falo e calo pela tua boca.
Sugo pelos cabelos os teus sonhos
e te alimento com a minha fome.

sexta-feira, março 04, 2011

Promessas

Como explicar a angústia de mistura
com a alegria excessiva
e nunca o sono?

De dia o som das flautas
e ao sol posto
crescem raízes
e a música se cala.

Quando o silêncio desce
tortuoso
e a sombra tinge a escala
a voz da noite
é música interior de uma torrente,
anterior ao céu
semente de promessas
brotada no lugar de nosso encontro.