segunda-feira, junho 30, 2008

Arca

A nau do sono recolhe fugitivos
como se fosse a arca de Noé.

E se adormecem felizes os amantes
e os filhos com seus pais
acalentados em noites de bonança
contra a corrente dormem
solitários
aqueles que sofrem de fome
ou desespero.

O sono nos iguala pelo sonho
porque até no dilúvio deus sabe o que faz
e navegamos todos
rumo ao monte Ararat.

 

sexta-feira, junho 27, 2008

Banco de dados





O banco de dados do mundo
começa com o arquivo da gênese
escorrendo entre os dedos do Senhor.

Todo homem tem seu tempo
mas nem todos espremem seu suco
até o fim
– resta sempre um arquivo morto
ou quase.

Os ônibus têm mais de um século
mas só nos novecentos
os homens começaram a pendurar-se nas janelas
(e as mulheres só no carnaval).

Mulheres preferem olhar de outras janelas
e estão sempre buscando alguma coisa
: maçãs, serpentes, vestidos, homens extraviados
pais e filhos mortos
serenamente vivos em suas fotos
até que nasçam lápides novas
datadas de algum dia.

Enquanto se descobrem as alegrias
da tecnologia nossa
de cada dia
o pasto cresce nas portas
do imenso casarão
onde habitam os que até agora
conseguiram escapar.

quinta-feira, junho 26, 2008

...


Nas ruas do planeta louro e azul
creio na vida
:
o melhor do presente ignora o futuro.

domingo, junho 22, 2008

Hoje

Hoje
a música me atinge com suas dores
e fúrias

as alegrias sonsas do amor
nesga de lua a entrar pela janela entreaberta.

sábado, junho 21, 2008

...


neste momento
toda tristeza que a vida pode
se deita sobre mim
como quem ama

terça-feira, junho 17, 2008

Noites



É fria a solidão que me desbasta
puxo o edredom
porquanto a noite é vasta.

sexta-feira, junho 13, 2008

Olhar

Sobre a cama vazia
resta um pijama dobrado
e o olhar das conjeturas.

terça-feira, junho 10, 2008

Mosaico




Imagem Johns. Summer. 1985.



Quem faz algum tipo de arte
expõe peças de mosaico
(um vinho irresistível
a droga traiçoeira
capaz de pôr num pedestal de rocha
um deus de lama).

A grande incógnita
nos vem sempre aos pedaços.

quinta-feira, junho 05, 2008

Lava morna

Esse vazio no meio da vida
por onde correm palavras apagadas
é um céu escuro onde não amanhece
um dia oculto entre todos os outros
quando nada acontece que não seja
a morna lava extinta
que um dia há de surpreender a todos
com suas erupções inesperadas.

terça-feira, junho 03, 2008

Longas tardes de outono


Fecho as cortinas
isolo o mundo
numa esfera invisível
mais fria a cada instante.

A experiência de ser é quase trégua
entre os ruídos amigos do relógio
e o despertar discreto de meu gato.

Mas o silêncio grita na memória
e como disse Leminski
não adianta fugir
que viver não tem cura.

segunda-feira, junho 02, 2008

...



Em aposentos da memória
jardins de líquens antigos
invadem o chão de agora.

domingo, junho 01, 2008

...

Grassa lá fora um sol enganador
o mundo é uma quimera.

Outono
e o sol mascara suas sombras
como se entrasse hoje a primavera.