terça-feira, fevereiro 27, 2007

Meditação


Foto H. Cartier-Bresson.


Lumes dos jardins do céu
velam a terra
e os vagalumes põem música às estrelas.

Oculto pelo sono um homem sonha
a imagem de si mesmo
e se enamora.

Pelas calçadas escuras
a noite lança seus dados
tempo afora.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Paraty V

quando de noite o tempo silencia
dormem os habitantes protegidos
pelo cenário eterno da colônia

sonham com personagens redentores
heróis imaginários
santos tristes
e em volta de seus leitos
nuvens de insetos traçam móveis mapas
veleiros de chegar e de partir
veleiros que sumiram sem notícias
longe da hipótese do porto

não querem de sua terra
mais que o catre, as ruínas
para dormir seus sonhos degradados
e nunca
nunca preparados
para abraçar a herança que lhes cabe

antes do mar chegamos
e desde sempre dormem os habitantes
protegidos
dessa pobreza sem nome dos nativos

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Paraty IV


Agora este silêncio
imenso grave e escuro
sobre os telhados

ora adere ao chão molhado
o mar que espreita
ora enternece ao som do pio frágil
nas folhagens.

Impossível ser tudo.

Na pele a aragem fria
de uma delicadeza de açucena
prediz a madrugada
como um estado de graça.

O mundo é simples
vivemos muito pouco
e apenas cremos que dure mais um dia.

Ao meio-dia o mar invade as ruas.

domingo, fevereiro 18, 2007

Paraty II

A cidade flutua
navega em seus valões
– passa do meio-dia.

sábado, fevereiro 17, 2007

Paraty


Toda manhã esta cidade donzela
descalça e cabocla
veste de novo a doçura ancestral
que seus telhados prometem.

O sol de quatro séculos
filtra ainda uma vez a face límpida da terra.
Sem pressa reinaugura cada rua
as praças e as igrejas
onde as matinas se entregam ao cheiro do café
e os bem-te-vis respondem
empertigados em galhos e beirais.
Entre seus voos
resta uma brisa
que o sol não conseguiu domar
nem seduzir.

Distante
o mar ainda dorme.

domingo, fevereiro 11, 2007

só consegui dizer
confusamente
amor

ainda cedo
antes que a mesa posta do café
se desfizesse
alguém chegou

alguém estava de pé junto à varanda
e tive então certeza
ainda sem ver
sabia

alguém dizia meu nome
com doçura
e a voz era ainda estranha
a que dizia

te conhecia de longe
de palavras
- e tanto são mensageiras as palavras
e tanto dizem
quando se sabe lê-las

e esse alguém que me chamava o nome
chamava-se também de um nome antigo
chamava-se também do nome novo
que aprendi a adorar sem tê-lo visto

entra, pensei,
e logo que te abria
a porta de minha sala
abria minha porta
à novidade sem nome que anelava
e desejava tanto
e não sabia

olhei essa pessoa num tumulto
num alvoroço de amor inominado

olhei e abri meus braços
e meu peito
e a boca com que sorria
e respondia
ao beijo de sua boca me sorrindo
e ao pranto com que a paixão
se anuncia

olhei e vi essa figura e a luz
que entraram juntas pela minha sala
e juntas me envolveram e me tiveram
a seu serviço desde então
a luz que ela irradia
a luz que enfim me colhe em sua trama

não consegui dizer o que sentia
só consegui dizer
confusamente
amor
fica comigo

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Sudoeste


Foto Cora Rónai.

O mundo se desfaz
e reconstrói paisagens provisórias
árvores se desfiam
imitam o mar
e em cada esquina
canta um inaudito.

Vincent pinta de novo
o céu dos sonhos subversos

e hoje à tarde com certeza
chove.

domingo, fevereiro 04, 2007

Receita

Desdobrar-se
à flor de si
ao sol do mundo.

Bem exclusivo
não se excluir
e respirar todos os germes
que o mundo vai
deixando no caminho
como na história de João e de Maria.

Desafiar as bruxas
novas e antigas
e no regaço acolher toda palavra
perder o freio
e dissecar no pensamento
em fibras
o clássico e o permeio.