sexta-feira, dezembro 30, 2011

Um ano só




Um ano não começa
recomeça
em cada vida
nas revivências
lembranças
dores
e o que foi sonho
é sonho sempre
independente
de numerais
ou calendários.

Um ano não começa
um ano sopra
aos ouvidos
um ano supre de sonhos
desconversa
inova fatos
marca a memória
para outros anos
enfim chegados.

Um novo ano é como um barco
singrando mares novos
talvez
quem sabe antigos
mares de quem já navega
terras secas.

Em cada vida
o ano começou
de uma placenta
e já sabemos
quando termina
ainda sem data
até que a data chegue.



segunda-feira, dezembro 26, 2011

Inquisições


A noite chega bordada de imagens
dentro dos olhos
na autonomia mais tempestuosa
como se da liberdade se esperasse
um destino de réu da inquisição.
Mas se a vida pode ser assim
melhor viver depressa
antes da condenação.

sexta-feira, dezembro 23, 2011

Palavra 3



Imagem J.C.Godard


Palavra
pode ser
lâmina quente
arremetida
palavra como flexa
desferida.

Dita baixinho
esbraseada
deixa na pele
marca tatuada.

Palavra pode ser
lâmina fina
instrumento cirúrgico
de fria intervenção
em algum momento
sem anestesia.

Mas quando a palavra é doce
e tem a ver com o amor
reinaugura feliz
o sangue de quem ouve.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Seduções



Cada manhã
acorda um dado novo
que se dilui nas horas distraídas.
Nos cantos esquecidos pela casa
dormem impulsos
que a noite vem cobrir.
O sono nivela histórias
que deixamos fugir
mesmo acordados
– histórias esquecidas
são sedimentos
seduções inexplicadas
que ostentamos
como se fossem
joias.



segunda-feira, dezembro 19, 2011

Estante



Às vezes fecho o livro que estou lendo
para expurgar fantasmas
que me invadem.

Os livros têm licença de mentir
ou sufocar de verdades quem se arrisca.
Explicam nossas culpas
ou tocam sem cortesia na alma de quem lê
e atingem irreverentes os sentidos.

Às vezes me percebo nas palavras
outras, sofro
quando sem compaixão nem saída
a vida escrita esmaga um personagem.

Palavras que se atraem mutuamente
escritos e leitores dão-se as mãos
a evocar instâncias
e bifurcar-se num jardim de Borges
multiplicados enfim
outras histórias
sobre segredos memórias
sons e sonhos.

Perseverantes e inertes nas estantes
estão vivos
habitados de razões inesperadas
canais de lágrimas e motes para o riso.

Em sua música secreta
encapada
uns são baladas
outros sinfonias
outros ainda notas dissonantes
mutantes harmonias em palavras.

sexta-feira, dezembro 16, 2011

Prédio





As pessoas no prédio em frente
ajardinado
e coberto de pastilhas rosadas
serão talvez felizes?
infelizes?
como saber?

(mais de trinta apartamentos
e desses setenta e poucos moradores
alguns talvez
vivam aqui e agora
preparando
um futuro difícil.
Sofrem questões de dinheiro?
Sentimentos em conflito?
É bem possível
que alguns estejam sozinhos
o que afinal pode acontecer
a qualquer pessoa
e dentre esses
talvez algum seja infeliz por isso.)

Olhado deste lado
o prédio em frente
tem a fachada mais alegre
que se possa imaginar.
A rua arborizada
tantos  pássaros
um som de violão
chegando do terraço
e o sol enfraquecendo
pouco a pouco.


quarta-feira, dezembro 14, 2011

Legado




À tarde
brotaram sonhos-de-flandres
nas veredas
e o caminho de pedra
ainda guarda
o desencontro sem nome.
Dissonante
o vento desmantela seu vazio
e forra a noite com lençois de nada.

Queria chegar às flores
que um dia alguém colheu para me dar
a chave do sorriso que perdi
pelo caminho errado
e num encontro sem travas
chegar à beira do novo
ainda longe do gosto da memória
e reaver o mar
acreditando nas nuvens que voltaram.

segunda-feira, dezembro 12, 2011

Café


Toda manhã é outra
e o cheito do café
convida ao recomeço.

sexta-feira, dezembro 09, 2011

Publicidade



Sementes de recomeço
nos sustentam
e regeneram
auroras que tardavam.
Tomar todos os dias
em jejum.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

Receita 3



Desliga o sono
toda manhã
aquece as cartilagens
o pulso abastecido
de alegria
e segue a vida
nossa melhor
companhia.



segunda-feira, dezembro 05, 2011

Estações



O sol esfria
e desenha
miragens pelo céu.

A noite abre sua tenda
e nos telhados
a chuva lava o passado.

O mundo é a plataforma paciente
de muito mais do que quatro estações.

sexta-feira, dezembro 02, 2011

Antinarcísica



Nem sempre lhe acontece
o que deseja.
A imagem que agrada
à primeira vista
não é para todos
nem para sempre.

Olha a vida sem ironia.
Só por isso
deixou de se mirar no lago
de Narciso.

quarta-feira, novembro 30, 2011

Palavra



Palavra solitária
vaga sem rumo
– será grafismo?
mero fonema
alucinatório?

Existem bocas
rimas e credos
em que se guarda
mas não responde
quando indagada.

Palavras de quem sabe
de mãos dadas
explicitam interpretam
também sabem mentir
sempre instruídas.

Palavra solitária
como gente
nega o mundo
é para si
o enigma que sonha.

segunda-feira, novembro 28, 2011

Milícia




Os anjos não padecem das pendências
nem dos propósitos roídos pelo tempo
de que os mortais carecem.
São seres redimidos
afiançados
bem nutridos
de impassível paciência
de perfeições sem saída
ilhados
sem descendência.

Nos ócios da eternidade
nem mesmo o tédio
nada supõem dos dias nem das horas
nada lamentam mas cumprem
sem remédio.

sexta-feira, novembro 25, 2011

Noite bruta


 
Frutos da noite
germinam
imitando a lua cheia.
No chão
a distância brilha
urde os favos da colmeia.

Desejos
na noite bruta
inventam grutas e beijos.