quinta-feira, fevereiro 27, 2014

Acorde




Um acorde
sem grandes compromissos com o mundo
escorre das folhas de hera
úmido de penumbra
e concilia discórdias
sem importância.

Esse acorde enovelado
em folhas de existência
é uma esperança rasteira e muito frágil
que não resistirá à luz iníqua nem
à perversidade com que a manhã
se apossa das janelas.

domingo, fevereiro 23, 2014

Corpo e cidade




 

O corpo entregue à cidade
estreia a cada instante
sensações de luz e sombra
e ruas conjugadas pelo sol
poeira e fumaça.
O corpo continente
treme de asfalto e trânsito
e de um desejo de encontro
e águas secretas.


quarta-feira, fevereiro 19, 2014

Filme




Queria um filme
lírico e felino
com dois ou três cenários
tão somente.

Um filme com parreiras
trilha sonora de nuvens passageiras
e cantos da manhã
filme perdão.

Uma janela de trem em minha sala
para a paisagem do campo
e duas alas para namorar
à sombra que desvenda o meio-dia.

Queria Dioniso de galã.

terça-feira, fevereiro 11, 2014

Congonhas



 

Seria uma cidade igual às outras,
diamante bruto ao fundo da montanha-mina,
não fosse pelo bailado dos profetas
os movimentos leves de pedra-sabão
as dobras panejadas de seus mantos
e as faces impenetráveis
angulosas.
Esses profetas
cobrem a terra de harmonia lúdica
em cantos inaudíveis.
Tornam em ouro o pó
e o azul do céu em prata clara.
Decidem os destinos da cidade
secretamente
no espaço-tempo dos fatos.
E ao lado da aparente sisudez
praticam um misticismo fetichista,
ritualista e irreverente
que à noite anima os personagens pios
dos passos da via-sacra
para os fazer pecar.
São sábios a seu modo,
unânimes como os sete anões de Branca de Neve
e, íntimos do Pai,
riem dos homens e dos anjos,
enquanto lançam sobre os visitantes
o olhar vazio das estátuas.

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

A falta



 
 
Que pena
andar em calçadas conhecidas
e nem ao menos
chegar ao arvoredo na pracinha
onde há mais sombra
para a conversa
e os insetos
criam um ruído de rampa
no cascalho liso

O mais provável
no entanto
é sempre o não falado
a estrutura submissa ao desejo
a alternativa
ao que não pode ser
mais do que o hálito
ou um gesto
do qual toda esperança.
se apagou.