segunda-feira, janeiro 28, 2013

Solar



                                                                    Foto MFC


 

 

As palavras ainda roçam o silêncio
quando se abre em nós essa clareira
inquieta do desejo
onde flores de urgência desabrocham
e tudo muda o que antes se dizia
– a boca em sede
a pele de água morna
e as asas ofegando
guiando as mãos vestidas de verão
até que o sangue se transforme
em sol
e as veias nos cintilem sob a pele.

 


segunda-feira, janeiro 21, 2013

Planeta





Os dias que faltam
talvez possam trazer o cheiro da floresta
dia de festa
antes do fim.
Quem sabe escute o rumor desse riacho
que conheci tão cedo
e o sol da tarde no alto
dentre as copas.
Talvez encontre um bicho
uma preguiça
um gato
ou o lagarto reluzente
que vi na infância?

A dor do mundo
dói mesmo
no fundo de cada um.
Não te assusta um pouco
viver neste planeta
de ouvidos moucos?

sexta-feira, janeiro 18, 2013

Corpo e cidade






 


o corpo continente
treme de asfalto e trânsito
de um desejo de encontro
e águas secretas





O corpo entregue à cidade
estreia a cada instante sensações abertas
de luz sombra
e ruas conjugadas
em sol poeira e fumaça
os passos misturados.

O corpo que descansa
deixa a cidade distante
como um presente esquecido
na janela
mas a cidade não dorme.
Sonhar vem de surpresa
do labirinto guardado por um touro
e o touro tem uns olhos de criança
em contas feitas de matéria escura.

domingo, janeiro 13, 2013

Kilimanjaro

Este é um poema de domingo, com toda certeza.
De autoria de Marcelo Novaes, caro amigo de um talento excepcional.
Obrigada, Marcelo, e sempre muito sucesso!


 Do amigo Marcelo Novaes
 para a querida Dade Amorim.
 (com um toquinho 
  cheio de beijos 
  meus (imagens)
  para ambos)






Hora da visita: oito horas.
Você quer olhar tua vida com 
meus olhos, drenar o Sangue da 
Quimera e de todos os Monstros, 
esvaziar-se daquele impulso.
O que há, no fundo, é drenagem
e não mudança de curso.
[Secagem a Frio].
Precisas falar com meus quatro
eus, nas oito horas do dia, nas oito
celas de cada hora do dia, pautadas 
por meus olhos. Tirar o dedo da boca,
recolher a bituca do assoalho.
Recortar as falas dos filósofos [apenas
um punhado], enquanto te digo as coisas
que passsaram. As tuas coisas.
Tua saga cercada por livros, tantas falas:
a Calma e a Chama indissociavelmente
Juntas. Ausente a alegria de esperar por 
filhos. Outra alegria a tua: Confeccionar
Alturas de Escadas a Cada Dia, deixadas
à Sombra, na Planura.
[Silenciar ao término do Fio].
Horário da visita: oito horas.
Trazer aqueles diários, experimentar
Idiomas. Reunir cavernas, rouxinóis, bisões,
visões bifrontes [Jano à espreita], forças nas
pernas pra escalar Kilimanjaro: A Montanha 
Branca dos Masais.
[As intempéries podem ser cruéis].
Hora da visita. Mudas pelas portas
que fechas. Encontras outra palavra
à medida que, da velha, emudeces.
Não há mistério: só escolha.
Sonhos discorrem sobre as frestas
e escorrem sobre as folhas. Verdes 
sonhos: descaminhos de Ítaca, 
Assombros de Hades. 
Alguém te ouve e pensa em Ilha. 
Quem dera. Não vê quem te beijou 
a face.
Alguém vai à farmácia para ver a
atendente. Ouve, na fila, uma frase 
de Borges. São assim as filas: cheias
de lanças, tropéis, tropos e alquimias. 
Alguém vai à farmácia e pega a fila, 
sem spleen ou tédio, mas nada esplêndido. 
Da Palha ao Azul, do Azul  à Palha.
[Passiflora].
Alguém te ouve falar e se esquece
do sino, deixa de acreditar no silêncio e 
no branco definitivo do marfim. 
Divaga,  chama por alguém e pede um 
chá, abandona moedas sobre vasos de
plantas, recita os Vedas e Upanishads,
conta as cores das chamas nas manchas
solares, abre as mãos pra mostrar as
palmas.
Alguém te olha e pensa em Ilha, 
cansado de jogar, ao cão, a toalha,
cansado de medir a extensão do atelier 
de pintura,cansado de contar números na 
borda do sono, as notas rasgadas; das cólicas, 
cada fisgada.
Alguém te ouve e pensa em ilha.
Quem dera. Deixa ir a penhora,
a tradição histórica, o verde da
pupila, a cega sede sobre o 
copo de urina.
Alguém te ouve e abandona 
o sonho do traçado retilíneo. 
Não da pra carregar tanta coisa.
O segredo de largar não se acumula.
Todas as pedras se aclaram. O peso maior 
que o peso quebra a adaga em pequena
poça e afunda o vergalhão no plexo.
Não dá pra coligir tantas recusas.
Seja cada forma a última para, no
fim, deixar de ser qualquer uma.
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