segunda-feira, julho 30, 2012

Thanatos

O teu contorno é o fio do silêncio
escondido no corpo
te refazendo sempre
à imagem e semelhabça de uma sombra.
O abismo que te traga é o mais fundo
o mais escuro traço é o que te apaga
na treva que devora tua imagem.

sexta-feira, julho 27, 2012

Tempo sem tempo


Preparamos penumbra de floresta
aves de incenso em pátina de espaço
limita-nos um teto de silêncio
e as palavras nos tocam
em som de pensamento e voz de sonho.

Temos cenários
ouro
asas maduras
travo de história
e tímidas ternuras pela boca.

O mesmo gesto modela nossos membros
e logo os ata.
Falamos juntos coisas separadas
vivemos separados coisas juntas
e uno e o tempo de nossas vestes
distâncias e lugares.

Sob o teto sem fim de nossa sombra
caminham nossas sombras de mãos dadas.

Poema reeditado.

quarta-feira, julho 25, 2012

Rotina



Nesses encontros de todos os dias
nomes e vozes confusos, misturados,
nesses encontros tíbios da rotina
há um som de inseto seco na luz baça
e as folhas de papel brancas e finas
são poças de manhã na mesa escura.

Desses encontros de todas as horas
resta no ar uma poeira leve
que se repete e junta pelas frestas
mancha os vidros das janelas
e em crostas esconde o sol, e o sol se nega
a visitar nossas salas vespertinas.

segunda-feira, julho 23, 2012

Noite



Logo mais
na casa quieta da noite
trarei de volta tua metade errante
colhida de tua nata
te gerarei sonhos
que são a cara do pai.

sexta-feira, julho 20, 2012

Assim



O mar tão calmo
e tuas mãos tão frias
é primavera
as flores desfolhando
os braços dados
solidão rondando.

quarta-feira, julho 18, 2012

Janela V


Olhei pela janela do meu sonho
e me vi em seus olhos.
Sorri pela alegria do meu sonho
o seu sorriso
e percebi
que nunca mais seria eu mesma
se não saísse da janela.

segunda-feira, julho 16, 2012

Estrela



Imagem sem nome de autor.

Há um pedaço de ti na minha vida
bem mais que corpo
estrela partilhada
um tépido silêncio
para onde fujo
pra te lembrar.

quarta-feira, julho 11, 2012

Ciranda do tempo vivo



De que terra vem o vento
de que nuvem chega a chuva
de que corpo vem a sombra?
Estou tão perto, estou pronta
sorrio calo e me sento
e descalço minha luva.

Que folhas o vento sopra
de que céu a chuva chega
de onde a sombra me acompanha?
O jarro arranha a aranha
e vou partir para a europa
no braço que me aconchega.

Que vento sopra da terra
que chuva chove essa nuvem
que sombra cai de meu corpo?
Ganhei um vestido novo
cor de paixão e de guerra
respingado de salsugem.

De que terra o vento vem
a chuva cai de que céu
como a sombra se desenha?
Quem tiver amor que venha
ensinar a amar a alguém
nas voltas do carrossel.

Olha, o vento vem soprando
olha a chuva já caindo
olha a sombra diluída
e a querência dividida
ciranda do amor fechando
ciranda da dor abrindo.


segunda-feira, julho 09, 2012

Os brinquedos no porão


Me assusto com minha idade.
Percorro uma floresta de pinheiros
acolchoada de agulhas verde-escuras
de onde se erguem em clareiras
gravíssimas imagens
de santos muito velhos
cujos rostos mal vejo
e não entendo.
Me atravessa um suspiro
que volta a me surpreender no auge do sono
e me golpeia todo devaneio.
Me assusto com o irredutível
rumor que chega da morte
e abafa os nomes amados do porão
onde deixei meus brinquedos
tentando salvar a vida.
Me assusta estender as mãos
nessa teimosa resposta
à nenhuma pergunta que me espera.

sexta-feira, julho 06, 2012

...


O céu ainda está sendo construído:
cada janela o pressente
e cada dia
inquieta o próprio tempo em operário
na face da criança que anuncia
no gesto que reúne todo o povo
– o céu não é a paz.

quarta-feira, julho 04, 2012

Voo



Alta rapina de outono
em voo exato,
a morte cobriu a paisagem
e foi como uma ânsia de resgate
o gesto com que lembramos
nossos pequenos nadas.
A morte passou como uma nuvem
dessas que vêm depois do almoço
na hora mais indefesa e tépida do dia.
Ainda encontrou os pratos sobre a mesa
e a casa em desalinho
de quem não espera visitas.
Ensombreceu a tarde
e pôs em nossas mãos
um velho álbum de fotos amareladas
cravou em nossos peitos
as dores de outro tempo
fez ressoar na garganta
a tradição de sonhos malogrados
e o atavismo das culpas
que deixaremos de herança
a nossos filhos.
A morte nos sorriu
como quem se desculpa por ser inevitável
e longamente procurou em nossos rostos
angústias suas.
A morte é tão sozinha
nua e sábia
como a encontraram Adão e Eva
na árvore da vida.

segunda-feira, julho 02, 2012

...


e recolhendo tudo que havia para dizer
restaram-lhe umas nuvens cor de chuva
e as lembranças da praia que não houve