quarta-feira, novembro 27, 2013

Nem Drummond, nem Quintana





Fiquei tão gauche na vida
que pela esquerda posição em que me encontro
nem faço parte da esquerda.
O anjo torto voltou o rosto resplendente
e disse apenas:
“Assim não é possível.”
Desviou os olhos,
retirou o amparo
e nem conselhos deu.
O anjo torto se foi
traumatizado
e depressa me esqueceu.
Acredito que tudo isso
seja só falta de um estilo próprio.
Afinal,
ninguém pode amar alguém
que não seja um outdoor de si mesmo
não saiba cantar
e nem ao menos tire fotografias
maravilhosas.
Ninguém
em sã consciência
entende
tanta resignação ante o real
tamanha falta de raça.
Qual é a graça de não ter
respostas à altura
e de viver entre livros e teclados
e nem ao menos se inscrever num chat
– melhor maneira de procurar a sua turma.
Além de tudo os anjos
voltaram à moda
e agora vivem diante de espelhos
comprados secretamente na Avon
descobrindo os prazeres da própria imagem
insipientes narcisistas
intolerantes para com mortais
que lhes pareçam angélicos demais.

terça-feira, novembro 19, 2013

mestre



na lousa fugidia o giz desfaz-se em pó
no exato instante em que o mestre desanima

a gente no ponto de ônibus
olha sem ver as revistas
da banca
e dos grafites escorre outra cidade
             sem saída

a furadeira tritura a energia suada
dos operários
             e o sol brilha
            
os ônibus são animais em extinção
             noutro hemisfério
aqui bebemos mistérios de óleo diesel

a lua em marcha vai sumir do céu
levando em suas pontas
            esgarçado
o território da estação mais fértil

quinta-feira, novembro 14, 2013

Insônias

O quarto é o limbo
e o corpo imóvel retém
os medos que resistem
e uma tristeza inteiriça
da idade do mundo.

O sono é uma cisterna
medida em asas e ecos.

À tona do espelho escuro
a ave indormida
e nada do que se faça
afasta
a dor da vida.

domingo, novembro 10, 2013

Conceito




Não há poemas na bolsa de valores
e entanto a poesia
traduz todas as línguas
dos homens e dos bichos
e é mulher-dama de esquina.

Não há poemas nas caixas do banco
a não ser
que a poesia se crie
na pele de um cliente
da fila de espera
recriando o paraíso.

terça-feira, novembro 05, 2013

Sob o céu




O que nos cerca esconde suas surpresas
além do que se espera
além do que se sabe.
Não conhecemos tudo
nem de todo uns aos outros.
Um teto de silêncio nos limita
na música inaudível das estrelas
e nos contém pelas luzes mais distantes.
Debaixo desse céu 
as nossas sombras caminham de mãos dadas.