quinta-feira, setembro 27, 2007

Diante do mar




Entre as árvores da costa
o mar sussurra.
O coração da terra
inunda nossos olhos
o coração
que pulsa nas marés
nossos amores
enquanto o mar
nos arrebata as cinco luas
dos sentidos.

domingo, setembro 23, 2007

Voltar a Ouro Preto



Eu voltaria um dia a Ouro Preto
às dores esquecidas no passado
tantos amores e prantos já chorados.
Eu voltaria à cidade, se pudesse.

E chegaria cedo pela tarde
para rever calmosa em sua casa
Marília de Dirceu meio inclinada
sobre uma rosa pálida no alpendre.

Percorreria as ruas mansamente
em uma brisa de anônima frescura
e subiria as ladeiras sob a lua

quando chegasse a noite rediviva
ouvindo do enforcado o choro vivo
e dos fantasmas todos os lamentos.

sábado, setembro 22, 2007

Presente do vento




Gigante de um conto de fadas
o vento nos apagou
as luzes todas da casa
e acendeu pela janela
uma noite enluarada.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Colheita



Van Gogh. Casal no parque.

As frases ditas no amor
guardo-as como sementes
para dar de comer à fome antiga
perene e insaciada
quando chegar o inverno.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Menino teu

Esse garoto que às vezes te visita
vive outra práxis
outros dias
e se imiscui em teu cotidiano de aço e vidro
com sua bola de meia
pomar terra e verde
e o balanço de corda.

Esse menino magro te perturba
te renova
como se fosse memória
te faz sorrir nas horas mais sisudas.

É curioso, o menino e traz questões
que não dizem respeito
ao homem sério que agora te tornaste.

Enquanto imóvel ponderas papéis de tuas pastas
ele se agita e brinca e mexe em tuas gavetas
e sem te consultar
sopra em tuas letras a brisa de outras tardes
e sensações de afago e de varanda.

Esse garoto que às vezes te visita
à noite em tua cama
canta baixinho cirandas e prelúdios
para manter acesa tua chama.

terça-feira, setembro 11, 2007

Matinal


Henri Matisse.


No café da manhã
o sol corta em diagonais
a realidade
caleidoscópio nos muros
gotas de luz na jarra da laranja.

Da janela azul
uma inaudível canção
avassala
inquietante
o coração do dia.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Receita II


O momento
é vidro prestes a se estilhaçar
renda de filamentos.

Mas se valer a pena
doçura e dengo regeneram
os cristais mais finos.

domingo, setembro 09, 2007

Baias da memória

As casas onde morei fizeram água
e as árvores do pomar perderam a sombra.
Só me restaram coisas sem valia
que envolvi em sedas coloridas.

Nas baias da memória
moram um alazão alado
e um baio esguio e bonito
que não consigo arrear.
Mora um gato almiscarado
numa urna de alabastro
e uma sereia de sol e tabaco
que em dias frios
desfaz as tranças na praia
e some em grutas de rio.

O sono rouba o sossego
e traz de volta faces do passado
acaricia traiçoeiro meus cabelos
e traça rumos ao céu dos quatro ventos
onde me perco.

O cerco da memória é como um sono
a devorar as portas do presente.

Mas onde deixarei minha bagagem
se a estância do presente não tem baias?
Para onde voarão minhas imagens
abandonadas sem asas neste chão
ainda que seja o único existente?

quinta-feira, setembro 06, 2007

Piracema



A aurora canta
a música do tempo.
O vento nos cabelos
viaja rumo ao sul.

A piracema voa sobre as águas.

Rege as marés a lua
enovelada de nuvens
subversa a correnteza
se perde entre as estrelas.

A Terra vela o balanço dos abismos
e o trêmulo equilíbrio das geleiras
até não se sabe quando.
Mas por enquanto
aquém de todo preceito
nada detém os voos do desejo.

domingo, setembro 02, 2007

Retrato do indigitado


Foto Claudio Edinger.

Ninguém sabe de onde veio
sempre sozinho
e as pessoas do bairro desconfiam.

É até um homem bonito
move-se
como se o resto do mundo não existisse
parece fora de alcance
veste mal
fuma em excesso
toda manhã está no bar da praça
e pelo resto do dia
desaparece.

Deve existir alguma coisa em seu passado
e apesar disso
ninguém conhece qual foi
seu crime
ou seu pecado.

Fervem histórias boatos
e algum dia
essa mitologia
erguida sobre o nada
pode tornar-se algoz
ou redentora
e resgatar o herói
ou o canalha
que ele carrega.