segunda-feira, outubro 31, 2011

Cantigas do bom emprego IV

7

Dona da noite e da tempestade
vejo o que desejo ver
sobrevoo a utilidade que me sufoca
nego-me a ser ferramenta
da obra que vai me soterrar
e aqui já não jaz
– é uma clareira
cercada de florestas
alma nova
um sacudir de cabelos
ombros em liberdade –
desapegada e livre enfim
de perfunctórias aporrinhações.

8

Rasgo meticulosa a folha
do orçamento em que trabalhava
e faço uma gaivota com ela.
Apesar da chuva
voa como uma pomba branca
treva adentro
e eu vou com ela.

sexta-feira, outubro 28, 2011

Cantigas do bom emprego III


5

Enquanto você fica em seu canto
tanta gente passeia pelos shoppings
amigos se divertem em tantos lugares –
o que se passa pelo mundo?
Alguém deve saber
não eu.

6

Em mares muito azuis
de listras espumadas
ou na poeira opressa
que precede
a névoa das chuvas mais pesadas
posso ver o que desejo
em vez do que de fato se vê
como se os olhos
fossem projetores e não órgãos.


quarta-feira, outubro 26, 2011

Cantigas do bom emprego II

3

De meu quarto andar
acompanho notícias de águas
que vêm e vão para longe
pelo útero escuro da rua.
O que cabe em minha agenda
é um esqueleto falso
fabricado às pressas
de um dia sem pauta
cheio das linhas tortas
por onde não terão a coragem
de dizer que Deus escreve (direito?)
o adverso.
Alguma espécie de entendimento
deve ser possível
mas os bueiros engolem o embrião
traçado em um caderno de capa cinza-pérola
– um organismo vivo é outra coisa –
e meus sensores rugem à passagem
de um relâmpago retardatário
luz do rompimento
o limite de onde a treva desenha
o outro lado da rua
e a rua me chama para longe
da cumplicidade e das máquinas.

4

Lá se encontrará um canto secreto
e me acharei madura de esperar
existe sim esse lugar
ou o que seja
pelo tempo que se passa desejando.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Cantigas do bom emprego




1

Aqui é um chão escorregadio
juncado de lápides
que é preciso caiar todos os dias
– falsos profetas vêm inspecionar
para produzir seus fogos de artifício
e retirar as máscaras
depois do expediente.

2

As paredes do escritório ostentam
pôsteres
de dizeres moralizantes.
Não sei se alguém ganha com isso.
Não sou paga para saber.
Fico indevida
insólita para mim mesma.
Há quem me ache simpática
um pouco aluada às vezes.
Os cartazes vêm de programas avançados
máquinas traiçoeiras
que tiram o emprego bom e quente dos meninos.

sexta-feira, outubro 21, 2011

Migração



A pele é rio ao sol
que o silêncio singra
e migra em busca.