segunda-feira, agosto 27, 2007

Qualquer canção


Tango. Persio Wanadoo.

Talvez nossa canção para este ano
seja bem pop rascante esfuziante
até um funk
talvez algo mais triste
descolado
um samba um blues quem sabe
apaixonado
rock destemperado
ou comportado
– mas por favor
aninhe uma canção
em suas mãos
fique a meu lado
como se agasalhasse um passarinho
me fale com carinho
e me abrace
pra que eu não morra
bem antes de chegar o ano novo.

sábado, agosto 25, 2007

Recado

Não vou te ver à noite como antes
quando a cidade se abria a nossos passos
– sem esperança de encontro
as ruas me perderam.

Não mais a dança
nem mais te espero junto àquele prédio
onde trocamos o primeiro beijo
sem noites iguais àquela.

O pensamento
é todo ele um recado
– o fogo não se apaga na saudade.

As ruas estão truncadas
mas ainda vivo
longe de teus braços.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Frescobol




Toda manhã
a dança dos cabelos
o barco
o corpo esguio.

Morrem as cores
e debruçada à janela da lembrança
ainda jogo frescobol contigo.

domingo, agosto 19, 2007

Viver


Imagem Angelo Sousa.

O corpo que descansa no futuro
deixa tudo que pulsa
entregue ao tempo.

O corpo feito sonho
assola a carne
de presente inesperado.

Viver é cada instante
a cor e a sombra
brisa do mar.

Viver é só.
Viver é o toque de um momento.

Desrazão


Foto Anne Brigman.

À luz de cada dia
tuas mãos me fazem crer
no impossível sem nome
que o pensamento nega
e dorme aconchegado em cada sonho.

É de tua voz esse poder de sangue
de um outro tempo a que me converti
à revelia.

Onde estiveres
habita minha vida.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Talvez uma resposta


Foto Claudio Edinger.

Palavras são como sonhos
enquanto a vida foge à luz do sol
e a noite nos inquieta em seu silêncio.

A noite nos desarma.

Enquanto a vida gasta nossa pele
o fogo oculto escapa no suor.

Todos sabemos que sonhos não têm volta e
traçam cidades de pedra
sobre o rosto.

Filosofia

Vive sozinho
e foge das pessoas
por medo da solidão que
o feriu de morte
enquanto acreditou na possibilidade
do encontro.

terça-feira, agosto 14, 2007

Filigrana


A noite tece
de orvalho novo
a filigrana da espera.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Bilhete




Sobre a mesinha as flores
os convites e o bilhete
são um chamado do mundo.

Talvez prefira ouvir Haydn esta noite
– quem sabe?
relendo seu bilhete
o coração aquecido.

Você talvez não entenda
mas aqui
há o perfume das rosas
e essa música do acaso
a me deixarem mais ébria
que o champanhe.

sábado, agosto 11, 2007

Ponta



Dentro da casa vazia
ressoa um telefone sem reposta
ponta perdida em meada.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Paisagem II


O dia é ilusão
azul inexistente
e as nuvens são o acaso.

Existe a rocha no fundo da rua
e um desassossego de insetos na janela.

Lá fora passa um rio
manso porém
capaz de destruir uma cidade.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Balada do enjeitado


Mãe,
o que você procura
se estou aqui?
O que te chama
tão longe de tua cria?
Que mundo é esse teu
de onde chegam vozes misturadas
memória de lugares tão estranhos?
De onde te chama a voz que me angustia?

Alguém tem que me ver,
mãe,
para que eu possa viver
fora dos prados cinzentos
que me cercam
antes que o frio e as sombras me atravessem
e se desfaça o corpo que me deste.

E de que vale essa vida
sem um olhar que lixe meus contornos
e me apare as arestas
e me ampare?
Para que serve minha boca
se não sugar a festa de teu leite?
Tenho o tamanho e o talhe de teus braços
e não me tomas.
Com quem aprenderei a alegria?

Mãe, eu te suplico,
afasta de tua face essa tristeza
e aceita teu presente.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Face

A rosa da manhã te denuncia
e quase te sorri
– repara bem
na rosa da manhã que te vigia.

A rosa da manhã
dá a tua pele as cores dos amantes
quando regressam do calor da noite.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Naufrágio


Emil Shildt. La traviata.

Teu olhar mirou meu barco
e as estrelas naufragaram
rumo do deslumbramento.

domingo, agosto 05, 2007

História de umas princesas


E. Munch. Dama do mar.

O céu desenha janelas
nas torres feitas de prata
para contemplar o mar
de onde as filhas langorosas
do rei namoram marujos.

A praia é o leito do mundo
lençóis bordados de espuma
e o rei que sofre de insônia
dorme até o meio-dia
sem saber o que elas fazem.

E lá se vão duas delas
a aia no seu encalço
solas deixando na areia
sinais de saias e rastros
de pezinhos delicados.

Ai se o rei desperta agora
a aia geme com medo
mas as meninas nem ouvem
já divisando o batel
dos marinheiros dourados.

Porque a vida se repete
o barco parte à noitinha
as princesas choram tristes
e o rei ensombrece a lua
com sua dor quase infinita.

As princesas logo voltam
à luz de poucas estrelas
e batizam seus herdeiros
em noites de tempestade
o rei sentado em seu trono.

O rei vê crescer os netos
e na praia iluminada
as conchas sorriem ao sol
o vento refaz a vida.

Porém as filhas meninas
que o rei conserva na torre
querem ser como as irmãs
e esperam de outras manhãs
o barco dos namorados.

sábado, agosto 04, 2007

Na janela

Na janela

Da janela te vejo
e vêm contigo
vozes mudas
de neblina.

Vêm contigo
pensamentos sem calor
e o sabor esquecido
em algum canto da cidade.

Vêm contigo
impulsos envelhecidos
e um abraço que ficou
suspenso
depois que todas as ofertas
se cansaram.

Deixei tua saudade na janela
e fui tratar da vida.

quinta-feira, agosto 02, 2007

Elegia



Ele era um tempo antigo
de papel amarelado.
Um cão de guarda buscando
na treva das madrugadas
a infância desvanecida.

E quando a noite chegava
vinha dar corda ao relógio.

Ele nunca foi futuro.

Viagem



O céu apaga seus minerais
cessa o canto do desejo
o dia é nunca mais.

Já reconheço a viagem
bem mais perto do fim
que do começo.

quarta-feira, agosto 01, 2007

Das palavras

De todas as palavras que te disse
nenhuma foi em vão.

Nenhuma dessas palavras falou
senão de amor
e ainda que dissessem desacordos
eram palavras lhanas
que guardavam
em seu núcleo
um desejo quente de reencontro.

Ainda as mais iradas
revoltas
descontentes
queriam tão-somente teu perdão
o coração reconduzido ao sol
e outra vez a voz
a pele quente.

E tantas foram
que o amor
tornou-se enfim
o exuberante dono desta casa
e o mensageiro itinerante
de tudo que importou
em nossas vidas.