domingo, setembro 27, 2009

Vincent





Van Gogh. Thatched Cottages at Cordeville.



O mundo se retorce
inconcluído
e estala tantas vezes
na falta de sentido
de viver tanto e tão
intenso
sem nunca parar de morrer.

Os vídeos são pesquisas onde
o ator de barba ruiva recria
a obra criada.

Nada o termina ou redime
do alto dos telhados
os corvos negros ao sol
em busca de carniça
os camponeses de rostos tão iguais
sobre ouro e trigo.

O espaço de Van Gogh
não dava espaço a Vincent.

No céu convulso
pastos de estrelas ardendo de girar
a noite expõe sua resenha
do tormento
e sempre o recomeço.

segunda-feira, setembro 21, 2009

A falta




Que pena andar em calçadas conhecidas e nem ao menos chegar ao arvoredo na pracinha onde há mais sombra e os insetos criam um ruído de rampa no cascalho liso a deslizar de leve e o que se espera é sempre o não falado a estrutura flexível do desejo e alternativas ao que não pode ser mais que o hálito ou o gesto do momento.

Ao menos nessa noite pode haver a assimetria de um espaço novo e na cidade algum lugar marcado e indelével. Como se fosse uma pegada no cimento fresco para se passar sem comentários num leve agitar de asas ou o sobressalto de lembrar na hora do café e ter certeza enfim de alguma coisa, mesmo nunca dita, coisa infiltrada e aspergida num lugar transportado para a vida.

 

segunda-feira, setembro 14, 2009

Solar


 

 

As palavras ainda roçam o silêncio
quando se abre em nós essa clareira
inquieta do desejo
onde flores de urgência desabrocham
e tudo muda do que antes se dizia
– a boca em sede
a pele de água morna
e as asas ofegando
guiando as mãos vestidas de verão
até que o sangue se transforme
em sol
e as veias nos cintilem sob a pele.

 

sexta-feira, setembro 11, 2009

Rio acima

 

Temos os olhos cheios
das coisas que não vemos.

A guerra de outro hemisfério
o rio de água apagada
a morte em nossos barrancos
lavadeiras encurvadas
e a flor carnívora do desarrimo.

Temos ouvidos prontos a esquecer
no escuro
as baleias retalhadas
o barco vazio à espera
predadores de mesa farta e
rio acima
nas casas mornas da margem
as mães e suas crianças mal nascidas.

De tanto ver nas fotos
a pele grossa lavrada pela terra
as nossas mãos perderam sua destreza.

quarta-feira, setembro 09, 2009

Epitélio


Pperguntei o que foi isso
no narizinho
e a mãe contou travessuras
e disse
já está epitelizando
mas ele tirou a casquinha.

Uma delícia
ser filho de médico.
Todo mundo cicatriza
ele
epiteliza.

domingo, setembro 06, 2009

Eles

 

Ele falava às vezes como quem desembarca de estrelas trituradas
farpas que ela seguia pisando pelas curvas do dia
falas rascantes capazes de quebrar o sono
como cristal estilhaçado por uma voz de soprano.

Ele falava às vezes como quem grita de feridas
que ela não via mas ardiam sem cura
em seu rosto pós pranto.

terça-feira, setembro 01, 2009

Ciência inexata



 













Se a manhã fosse o começo
não de uma segunda-feira
mas de um dia desnumerado
manhã das horas queridas
de examinar com calma cada luz
cada modalidade da luz
do sol e as cores.
Depois
olhar sem pressa a chuva
a calha da varanda
e na sede das poças
a dança refletida
dos supérfluos
que tornam o mundo
tão delicioso.

Se os pássaros voltassem
sem antes nem depois
quem sabe a noite
viajaria do fundo de sua música
até perder-se em luas de silêncio
e dobraduras de asas
aos olhos de janelas desatadas
– música da distância –
e a luz perdida entre os muros
aparecesse em visões
que o cansaço apaga
e só conseguem
furar fugazes
os sonhos.