sexta-feira, julho 29, 2011

Perfil imaginário do futuro




Uma nesga de futuro
vigia de cada esquina
rindo de nossos enganos.
Se insinua nas palavras
que dizemos inocentes
e nada sabemos dele.

O futuro é o estranho
que desliza
de costas
à nossa frente.
Inconstante
tem uma plantação de surpresas
no jardim.
Pode ser um bote armado
um iceberg
ou carregar pacotes de carícias.
Sinônimo perfeito de futuro
deve ser talvez.
Tem em comum com os vampiros
a vida eterna.
Quando acontece
já não é futuro.
Desmente quem o predisse
desconsidera enigmas
distorce imagens e bolas de cristal
e menospreza
sem pena
todos os bruxos videntes deste mundo.


quarta-feira, julho 27, 2011

Im/possíveis



Se for possível te escrevo
e te recebo
numa casa futura de alegria.

Se for possível
troco os ponteiros
e ponho em seu lugar o branco
o puro
o verdadeiro
isento de saudade.

Mas só se for inteiramente
impossível
continuar vivendo a realidade.

segunda-feira, julho 25, 2011

O pouco que se sabe


Pouco sabe de si
senão ideias
e as ideias são
unicamente
as fábulas que o pensamento preferir.

Nada
ou quase nada
sabe do corpo que habita
nem das sementes que nele
adormecidas
preparam ainda seus frutos.

Não sabe que imagem mostra
distraído
e que impressões desperta nas pessoas
quando mergulha em quietas sinfonias
do mais devoto silêncio
e se suprime.

Bem pouco
é o que sabe de si
mais que do amor
talvez
e tanto.

Mal sabe do tempo
enquanto na rua quieta
um vento primitivo
semeia folhas secas.

sexta-feira, julho 22, 2011

Rogativa


Tudo que peço
é o necessário
peixe de festa
e no teu rosto
um riso.

Nas mãos
as flores
a vida disponível.

quarta-feira, julho 20, 2011

Casa

Foto Roy Decarava.


Procuro minha casa
morando em todas as casas do mundo.
Contemplo o mar de todas as janelas
e a vida dos armários
em busca de segredos escondidos.

Passeio nas varandas
nas paisagens
com os olhos curiosos de um herdeiro.

Existe em cada casa um ser incerto
que já se foi e ficou
rondando as sombras
durando paralelo
como um perfume
um voo
fotografado e preso na gaveta.

E numa tarde
à luz de uma vidraça contra o vento
se alguém disser – lembra dele?
o ausente convocado será
por um momento
pleno como um coração que bate forte.

segunda-feira, julho 18, 2011

Esfera


Em calendários suspensos
o armário guarda um passado
que já não veste o presente
mas a estação tece a espera
a retomar fios soltos
num bordado paciente.

Na esfera sem saída que é o mundo
a história recomeça a cada instante
: era outra vez uma vez.

sexta-feira, julho 15, 2011

Contradição

De onde vem esse amor
um idioma
de mundo em devaneio?

O que mais quero agora
é entender
a sensação vertiginosa
de ter a vida toda
entregue
ao desconhecido
no entanto
intimamente
conhecido
indispensável
como um amigo
que sempre esteve aqui
sem nunca ter estado.

quarta-feira, julho 13, 2011

Dia a dia



    
Transitamos pelo dia
 num desalinho de cores 
 e palavras
 enquanto a vida se alegra
 à luz do sol.

Pode ser que então se esqueçam
a solidão e os medos de outras horas
até que a noite se deite em nossa pele.

Quando chegar
a noite pode trazer suas perguntas
nascidas de respostas
que preferimos não ter.



(Noite de lua. Imagem sem menção de autor.)




segunda-feira, julho 11, 2011

tédio



se o tédio vem à tona
o silêncio da noite
é água parada

sexta-feira, julho 08, 2011

Ruínas



A luz de ruína da lua
racha colunas de gelo
desde o Ártico
até os pilotis de nosso prédio.

(Esses contornos de prata
assim escura
decodificam o mundo.)

Juízos equivocados
ilhas maduras
e raízes desterradas
revolvem o concreto desgastado
que a lua deposita nas calçadas.

Asas de fogo frio
roçam leves
pelo corpo do oceano.

quarta-feira, julho 06, 2011

Relógio

Se no relógio da sala
uma quimera antiga
ainda resiste
por que ser triste?

segunda-feira, julho 04, 2011

Fábula

O frio tomou conta da cidade
a escuridão cauterizou as horas
soldou o tempo à noite.

A manhã se perdeu
desligada do sol
e o amor partiu
em busca de uma chama
seu alimento.

Desfeitos os pares
cada qual ficou sozinho
troncos presos à terra
pela mesma raiz.