SER-ESTAR
Por que cismar que as coisas estão incompletas?
Será um longo caminho até perceber:
não há caminhos que esperem por mim.
Perceba que o verbo ser é uma rocha
que conteve um fóssil lívido,
memória do que não é vida:
não fala de veias, de sangue
de carne putrefata, de células fugitivas.
Manejamos mal o verbo estar
porque ele escorre para o solo
feito arroio de urina e suor e lágrimas.
Sob os nossos pés o inevitável verbo estar se evapora.
A MEMÓRIA NAS PALAVRAS
Era poeta.
Inventara para si uma biografia:
tudo transcorrera na acrópole das palavras.
Acreditava que a palavra proferida lhe suscitava
saber hoje o que seria ontem.
Como?!
Poetas crêem que as palavras esperam pelas coisas,
e não o contrário;
e percorrem longas corredeiras de vida
seguindo por detrás dos nomes.
Poetas não sabem dizer agora em carne e osso
porque têm a memória inflamada e cheia de pus.
NO AZUL TEMPORÁRIO
Com que material
eu, inábil, faria poesia
senão com as escamas
numeradas do meu dia
fugindo peixe
nas mágoas correntes?
Seria o caso de hospedar
esse peixe num aquário,
dentro do azul temporário
da ilusão?
Seria fútil questão
ou intenção cruel
extraditar o meu dia
de seu meio líquido
para matá-lo de asfixia,
cindindo-o ao meio
com a faca estética
e deixá-lo secar ao sol
como forma sem vísceras
e hermética?
Por que cismar que as coisas estão incompletas?
Será um longo caminho até perceber:
não há caminhos que esperem por mim.
Perceba que o verbo ser é uma rocha
que conteve um fóssil lívido,
memória do que não é vida:
não fala de veias, de sangue
de carne putrefata, de células fugitivas.
Manejamos mal o verbo estar
porque ele escorre para o solo
feito arroio de urina e suor e lágrimas.
Sob os nossos pés o inevitável verbo estar se evapora.
A MEMÓRIA NAS PALAVRAS
Era poeta.
Inventara para si uma biografia:
tudo transcorrera na acrópole das palavras.
Acreditava que a palavra proferida lhe suscitava
saber hoje o que seria ontem.
Como?!
Poetas crêem que as palavras esperam pelas coisas,
e não o contrário;
e percorrem longas corredeiras de vida
seguindo por detrás dos nomes.
Poetas não sabem dizer agora em carne e osso
porque têm a memória inflamada e cheia de pus.
NO AZUL TEMPORÁRIO
Com que material
eu, inábil, faria poesia
senão com as escamas
numeradas do meu dia
fugindo peixe
nas mágoas correntes?
Seria o caso de hospedar
esse peixe num aquário,
dentro do azul temporário
da ilusão?
Seria fútil questão
ou intenção cruel
extraditar o meu dia
de seu meio líquido
para matá-lo de asfixia,
cindindo-o ao meio
com a faca estética
e deixá-lo secar ao sol
como forma sem vísceras
e hermética?
**********
AO SOM DE CELOS
Numa alegria sonsa
desdobrada
nesga de lua em janela
o corpo se despedaça
em harmonias quebradas
na escadaria da Penha
e chove
no último estágio da espera.
Dade Amorim
10 comentários:
Dade,
Você, mais uma vez, foi muito feliz na escolha do poema-amigo e nas palavras de apresentação. O trabalho do Marcantonio apresenta solidez e qualidade.
Quanto ao seu poema, minha cara, um primor!
Beijos
Inveja boa, sim. De Marcantonio, com essa poesia de vertigem e contenção e sabedoria. De Dade, com sua poesia sutil, quase hai kai. Uma festa, esse post!!!
Marcantonio é mesmo um belo poeta Dade. Vocês dois, sabem muito bem o que estão fazendo. :) Os poemas são lindos, todos. Beijos!
Dade, poeta-amiga, pode parecer clichê dizer que me sinto condecorado ao ver os meus poemas aqui no 'Poema-amigo', mas não é não. É sincero, pelo apreço e admiração que tenho por este seu espaço de poesia, onde você ainda é generosa em revelar afinidades. Quanto à invejinha do bem (rs.), claro que a entendo, pois ela é recíproca se considero a sua poesia ímpar e por demais elegante. Por acaso eu não gostaria de ter escrito esse maravilhoso DESVENDAMENTO postado aqui embaixo?
Agora, achei uma incrível sincronicidade a menção às escadarias da Penha no seu poema. Paisagem que me é familiar, já que, entre idas e voltas, moro há anos no subúrbio do Rio.
Obrigado, Dade,
Grande abraço!
maravilha,
beijo
Tenho invejinha boa de vcs dois =).
Beijo no coração.
Dade querida!
Marcantonio é um dos nossos melhores poetas.
A bela escolha que você fez, e nos presenteia, são colírio.
Seu poema não fica atrás.
Um absurdo de lindo!
Beijos
Mirze
dade: vc sabe que gosto de organizar antologias. Pois bem, se um dia eu resolver por uma antologia apenas com poetas da blogosfera, seguramente Marcantonio seria convidado.
Oi Dade,
Todos os poemas são belos e trazem uma riqueza de imagens poéticas que salta aos olhos e ao coração... Parabéns ao Marco Antonio e a você pelo talento e sensibilidade. Bj.
Lindo, lindo, Dade.
(O seu poema, os três do Marcantonio eu já conhecia e já gostava.)
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