Temos os olhos cheios
das coisas que não vemos.
:
a guerra de outro hemisfério
o rio de água apagada
a morte em nossos barrancos
lavadeiras encurvadas
e a flor carnívora
do desarrimo.
Temos ouvidos prontos a esquecer
no escuro
as baleias retalhadas
o barco vazio à espera
predadores de mesa farta e
rio acima
nas casas mornas da margem
as mães e suas crianças mal nascidas.
De tanto ver nas fotos
a pele grossa lavrada pela terra
as mãos perderam sua destreza.
dade amorim
Há muito visito Ortografia do Olhar e nunca deixo de me encantar com os poemas de Graça, assim como os que ela escolhe entre os de seus poetas favoritos. E quem visitar o Ortografia vai concordar comigo.
Do lado mais calado do tempo
Do lado mais calado do tempo
podemos falar das mãos das mães,
tão frágeis, quando trazem nas costas
a febre dos filhos.
Podemos sentir o rosto perturbado
das crianças que nos mostram a boca
mordida pela fome.
Podemos querer de volta o fascínio
dos papagaios de papel e do tempo
em que não faltava ninguém
nas fotografias da família.
podemos falar das mãos das mães,
tão frágeis, quando trazem nas costas
a febre dos filhos.
Podemos sentir o rosto perturbado
das crianças que nos mostram a boca
mordida pela fome.
Podemos querer de volta o fascínio
dos papagaios de papel e do tempo
em que não faltava ninguém
nas fotografias da família.
Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009
10 comentários:
A banalização do que é mau faz com que deixemos de ver certas coisas.
A Graça Pires é uma grande poetisa. Gosto muito do que ela escreve.
Excelente poema, querida amiga.
Boa semana, beijos.
Oi, Dade!
“Rio acima”, a cegueira; a acomodação do olhar que paradoxalmente contracena com teus belos versos.
Quanto ao poema amigo, mais uma bela escolha. Quem conhece o trabalho da Graça Pires, encanta-se!
Beijos
Obrigada, amiga pela divulgação.
Um beijo.
"temos os olhos cheios
das coisas que não vemos"
Que poema, minha cara, muito belo, forte, cheio de verdade.
Tbm gostei muito da Graça.
Beijos.
Obrigado pela visita e comentário lá no meu mundo. Muito bonita a sua ideia em "rio acima":
temos os olhos cheios das coisas que não vemos
acho que muitas vezes não vemos para suportar o existir... belo poema. beijos
Sinais dos tempos Dade!
Belíssimo poema, quanta subtileza no tratamento de um tema tão duro.
Bjo
Dade,
Como sempre, de parabéns pelo texto e por todo o blog. Abraços.
'Os olhos cheios das coisas que não vemos' é esplêndido! Sempre bom vir aqui e conhecer, por você, novos e bons poetas!
putz teu poema é uma cacetada, a realidade está perturbada de imagens e a gente nem se dá conta do silêncio em volta. ortografia do olhar já é poético por natureza, e a Graça encanta as palavras,
beijos
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