domingo, julho 18, 2010

Rio acima


Temos os olhos cheios
das coisas que não vemos.
:
a guerra de outro hemisfério
o rio de água apagada
a morte em nossos barrancos
lavadeiras encurvadas
e a flor carnívora
do desarrimo.

Temos ouvidos prontos a esquecer
no escuro
as baleias retalhadas
o barco vazio à espera
predadores de mesa farta e
rio acima
nas casas mornas da margem
as mães e suas crianças mal nascidas.

De tanto ver nas fotos
a pele grossa lavrada pela terra
as mãos perderam sua destreza.


dade amorim


Há muito visito Ortografia do Olhar e nunca deixo de me encantar com os poemas de Graça, assim como os que ela escolhe entre os de seus poetas favoritos.  E quem visitar o Ortografia vai concordar comigo.
Do lado mais calado do tempo
Do lado mais calado do tempo
podemos falar das mãos das mães,
tão frágeis, quando trazem nas costas
a febre dos filhos.
Podemos sentir o rosto perturbado
das crianças que nos mostram a boca
mordida pela fome.
Podemos querer de volta o fascínio
dos papagaios de papel e do tempo
em que não faltava ninguém
nas fotografias da família.
Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

10 comentários:

Nilson Barcelli disse...

A banalização do que é mau faz com que deixemos de ver certas coisas.
A Graça Pires é uma grande poetisa. Gosto muito do que ela escreve.
Excelente poema, querida amiga.
Boa semana, beijos.

Lou Vilela disse...

Oi, Dade!

“Rio acima”, a cegueira; a acomodação do olhar que paradoxalmente contracena com teus belos versos.

Quanto ao poema amigo, mais uma bela escolha. Quem conhece o trabalho da Graça Pires, encanta-se!

Beijos

Graça Pires disse...

Obrigada, amiga pela divulgação.
Um beijo.

Anônimo disse...

"temos os olhos cheios
das coisas que não vemos"

Que poema, minha cara, muito belo, forte, cheio de verdade.
Tbm gostei muito da Graça.

Beijos.

Alexandre Kovacs disse...

Obrigado pela visita e comentário lá no meu mundo. Muito bonita a sua ideia em "rio acima":

temos os olhos cheios das coisas que não vemos

Fabio Rocha disse...

acho que muitas vezes não vemos para suportar o existir... belo poema. beijos

MariaIvone disse...

Sinais dos tempos Dade!
Belíssimo poema, quanta subtileza no tratamento de um tema tão duro.

Bjo

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Dade,
Como sempre, de parabéns pelo texto e por todo o blog. Abraços.

Nilson disse...

'Os olhos cheios das coisas que não vemos' é esplêndido! Sempre bom vir aqui e conhecer, por você, novos e bons poetas!

Unknown disse...

putz teu poema é uma cacetada, a realidade está perturbada de imagens e a gente nem se dá conta do silêncio em volta. ortografia do olhar já é poético por natureza, e a Graça encanta as palavras,

beijos