sexta-feira, março 18, 2011

Poema amigo - Marcantonio Costa

Quinze paisagens com sol, quinze com lua (11)

Eu poderia mostrar
algumas paisagens inéditas,
não as que eu tenha visto de fato,
mas tantas que são aparatos
inventados
por fora da moldura pérfida do dia.
E quem não julgaria
essas íntimas pradarias
como tridimensionais?
Porque os olhos têm função de adesivo
para unir com assombro
sobras e resíduos de dias banais
em camadas, em relevos
de cantos agressivos
e fazer de flagrantes mais assíduos
volumes alucinatórios mais que reais.

Estes são meus talentos de andarilho:
recortar, colar, raspar, desenhar por cima,
pois as mais densas paisagens
são palimpsestos de sonhos sem brilho
de inutilidades e unidades sem prática.
Eis, por exemplo, um rio flutuando
sobre o solo vivo, serpente transparente
de escamas flácidas
das lágrimas que ninguém chorou por mim.
E sobre ele a ponte feita das lacunas emendadas
de todo tempo ido para o fim.
Se chover, serão gotas cristalizadas
de uma sudorese vagamente luminosa
que desfoca aquela montanha, monturo
de rosas secas colhidas nos cemitérios.
Vê que há algum mistério nessas árvores
feitas de mechas engessadas
no exato momento em que o vento álacre
as curvava.
Por fim, o solo arenoso não é nada mais
do que a moagem das cascas das feridas
não fatais.

Não escapo, portanto, no almoxarifado das ruas
desertas,
ao entulho das memórias da não-história
do que foi, mas não vai,
para compor assemblagem aberta,
uma bricolagem espúria,
costura de veduta-frankenstein.




Do blog O Azul Temporário.

3 comentários:

Marcantonio disse...

Dade, poeta amiga, obrigado. Ele soa melhor aqui, reverberando na casa de quem tem tanto amor e fé na poesia como você.

Um beijo.

Unknown disse...

Marcantonio excede, ultrapassa limites, a poesia agradece,


beijo Dade

Loba disse...

já estive várias vezes no blog do poeta, mas ele é poeta maior demais. não sei comentá-lo. só admrar.
parabéns pela escolha, amiga.
beijo