terça-feira, março 30, 2010

Domingo depois da ressaca


O vento foi embora
depois de passar pelo mar
e estourar em ondas altas como edifícios.
As colunas de nuvens se dissiparam
a lua agora segue um itinerário seguro e sensato
e as pessoas vêm ver os estragos da ressaca nas calçadas
peixes jogados nas sarjetas de mistura com papéis
pedaços de madeira restos molhados de lixo.

A ordem é aproveitar o domingo
entrar nas filas dos cinemas e teatros
no trânsito pontilhado de vozes de comando e injúria.

O céu ficou transparente
e todas as constelações estão visíveis
mas ninguém as vê.
Seria uma pena perder tantos espetáculos
e para isso é preciso ser rápido como um predador diante da presa
cumprindo o ritual
para que se possa dizer alguma coisa na hora do almoço
ou nos contatos casuais durante a semana.
Cinemas, teatros, restaurantes
bares, boates e botequins da moda
bilheterias e caixas
recolhem entradas e contas.
A cidade bebe mais que come nos fins de semana
com um desejo que se estende pelos sete dias
até que a segunda de novo faça esmorecer os apetites
e cada um fique um pouco enfastiado
de comentar os melhores programas
e exibir sua felicidade.

7 comentários:

Fabio Rocha disse...

Deu orgulho de ser triste, Dade. Meu beijo :)

Anônimo disse...

Há muitas maneiras de dizer as coisas que acontecem a nossa volta. Uma delas é a poesia. Talvez seja a maneira mais difícil de dizer bem alguma coisa. Parabéns, você conseguiu.

Beijo do
César

Beta disse...

Muitos se esquecem que o melhor espetáculo é viver. E no frenesi agitam vazios com a força de mares. Adorei o poema. beijinho,

Renata Magalhães disse...

Dade, passei pra deixar um beijo e desejá-la feliz páscoa.

Nilson Barcelli disse...

Magnífico poema... a Dade sabe como construir um edifício poético, dos alicerces ao telhado...
Gostei imenso das suas palavras, poeticamente belas.
Querida amiga, tenha uma boa Páscoa.
Um abraço amigo de Portugal.

Gerana Damulakis disse...

Adoro quando a poesia namora com o cotidiano.

José Carlos Brandão disse...

Gostei da sua visão do dia-a-dia.
"O céu fica mais transparente" - talvez por isso menos visível, mais necessitado da poesia.